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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Definições e Conceitos do Termo “Religião”.



Resenha do texto de Carlo Prandi: “As Religiões: problemas de definição e de classificação”.

Definições e Conceitos do Termo “Religião”.
Segundo o filósofo e teólogo alemão F. Schleiermacher, a palavra “religião” não possui suficiência semântica para “dar conta da complexidade e da multiplicidade dos seus conteúdos, que foram historicamente se realizando nas diversas civilizações do globo”. Uma vez que o Cristianismo é uma dentre várias religiões no mundo, e há outras até mais antigas que ela, o filósofo alemão faz um apelo para que os seus contemporâneos abordassem as religiões respeitando a riqueza inerente a cada uma delas.
Os termos “religião” e “religioso”, de origem latina, é de tradição cultural ocidental, e são desconhecidos das culturas antigas, extra-européias. Normalmente, nessas culturas indoasiáticas, o que seria para nós “religião” é comumente expressa como “caminho”, ou como “lei divina”, ou como “regra material e moral do mundo”, ou ainda “virtude, doutrina verdadeira, justiça”.
A idéia de religião que hoje temos (mundo ocidental) foi construída ao longo do tempo, pelo cristianismo. No mundo latino pré-cristão, o termo “religio” indicava um comportamento caracterizado pela rigidez, pela precisão, pela execução de ritos e normas da religião romana. E, por não ter sido universalmente compartilhado, pode ser reutilizado após Constantino. Lactâncio (o “Cícero cristão”, séc III-IV d.C.) ideologicamente afirma que o termo “religio” vem de “religare”, que expressava a união a Deus, a relação entre a criatura e o Criador. Tal idéia foi capaz de exprimir tanto o conceito de transcendência segundo o pensamento cristão, quanto à natureza da relação de fé instaurada pelo cristianismo entre o nível humano e o nível divino. Agostinho sugere uma interpretação de “religio” como “reescolhido”, como passagem da negligência para com Deus a uma relação reconstruída com Ele. Daí, a idéia de que “religio” significa uma relação de submissão e amor entre o homem e Deus. Depois, São Tomás aprofunda a idéia afirmando que tanto faz que religião derive de uma freqüente reescolha ou que derive de religar/ unir, ou seja, religio a reelegendo a religando.
A partir da crítica iluminista, buscou-se entender o papel funcional da religião na sociedade. Muitos estudiosos atentaram para a hipótese de prever, ou desejar, a saída da religião da cena das sociedades modernas. Destaque para Marx, Freud e Nietzhe. Muito antes disso, Lucrécio (séc. I a.C.) afirmava que “a religião está destinada a extinguir-se, com a aquisição de uma mais ampla racionalidade e consciência”.
Para Voltaire, a religião deveria ensinar apenas a adoração a Deus, bem como a justiça, a tolerância e a humanidade, propondo assim uma definição de religião e também a sua funcionalidade. Esse aspecto funcional da religião será central na crítica religiosa pós-iluminista. Já Henri de Sant-Simon acusou o catolicismo e o protestantismo de heresia por terem visado a riqueza e o poder, pois para ele a função do cristianismo é “trabalhar pela melhoria da vida moral e física das classes mais pobres”.
Para Marx e Freud, a religião nasce de um “estado patológico da condição humana”. A religião é o sintoma e o falso remédio da sociedade doente, e que ela deixaria de existir quando forem removidas tais patologias.
O etnólogo inglês E. B. Tylor viu no animismo, na crença em seres sobrenaturais, a forma mais simples de religião, o início de todas as religiões. Em um contexto de pensamento darwiniano, o cristianismo, para ele, seria a mais evoluída das religiões (visão europocêntrica).
A discussão entre definições substantivas (o que é) e definições funcionais (para que) continua, agora com a idéia de que a religião é uma concepção do mundo que desenvolve um papel específico, sem que necessariamente seja indicada a presença de uma entidade meta-histórica. Entretanto, Durkheim faz distinção entre o que é sagrado e a magia, ao afirmar que não existe uma “Igreja Mágica”; não conseguindo na prática tal distinção, pois faz referência a forças e a seres sobrenaturais, sobre-humanos, extra-empíricos. Já Marcel Mauss, oferece as seguintes definições sobe religião:
· Religião stricto sensu – presença da noção do sagrado; obrigações determinadas, como no caso dos fenômenos jurídicos;
· Religião latu sensu – compreende principalmente a magia, a adivinharão e as superstições populares.
Marx Weber definirá religião sob o aspecto funcional mais que substantivo, fazendo uma leitura onde não importa tanto a referência à divindade, e sim que as ações religiosas e mágicas visem a melhorar a qualidade de vida. Daí, seus estudos sobre a influência do protestantismo no capitalismo e a influência das doutrinas hinduístas e budistas na economia da sociedade indiana.
Ernst Troeltsch recorre a uma definição de tipo essencialista / substantiva, devido à sua formação teológica. Para ele, toda religião só pode ser lida como o lugar dos “fenômenos concretos”, e por isso o conceito de religião deve conter “ao mesmo tempo o princípio normativo e a necessidade da sua gradual realização”. Ele evoca o antigo étimo “religio” a “religando” e coloca o cristianismo como o “vértice de todas as religiões” e até a “exclusão da possibilidade de ser superada”.
Joaquim Wach, em 1944, escreve que “religião é a experiência do sagrado”. Ele exalta a importância da análise antropológica e a inter-relação funcional entre a religião e as demais dimensões culturais da vida em sociedade.
Nas últimas décadas, nos EUA, as teorias sobre a religião se definiram em 3 grupos, a saber:
1. A teoria do chamado – segue a perspectiva funcionalista em detrimento da perspectiva substantiva, e afirma que os homens recorrem à religião em busca de consolo;
2. Os simbolistas: para eles a religião considera apenas a sociedade humana, e é um fator de ordem e coesão social;
3. Teorias cognitivas: a religião de um lado interpreta e explica o mundo, e do outro lado visa controlá-lo e influenciá-lo.
Para Peter Berger, teórico americano, a religião é “um empreendimento humano, pois ela se manifesta como fenômeno empírico”. Ainda, que “a religião é uma obra humana através da qual é construído um cosmo sagrado”. Tais definições parecem trazer certo equilíbrio entre o momento essencialista e o aspecto funcional do fenômeno religioso.
Outro sociólogo americano, J. Milton Yinger, com uma concepção estritamente funcionalista, afirma que a função da religião é oferecer os conteúdos, os lugares e os tempos para dar respostas aos problemas do mal, do sofrimento e da hostilidade. “A religião explica aquilo que de outra maneira não seria explicável”, afirma.
O antropólogo inglês, Robin Horton, propõe que existe uma continuidade entre a ciência e a religião, e que ambas entram na vida social com o objetivo de compensar aquelas carências cotidianas de explicação, descrevendo os fenômenos cotidianos como manifestações de uma realidade oculta e subjacente.
O sociólogo Niklas Luhmann rejeita a imagem funcionalista tradicional da religião como fator de integração social. Para ele a religião é um “médium comunicativo” que permite a passagem da “complexidade indeterminada para a complexidade determinada”.
Entendemos que compreender e definir o fenômeno “religião” apenas de forma substantiva ou somente funcional é algo totalmente insuficiente. Porque o que a religião é, nos conduz à reflexão sobre o que as várias religiões no mundo têm de similaridades (como o sacrifício mencionado por Girard; ou as regras e ritos oriundos de “religo”), porém, também nos faz entender que o gradiente “religião” é bem mais complexo do que se pode definir. E que o que a religião faz, nos põe para pensar nas negativas e positivas transformações sociais observadas por Marx e Freud, ou por Weber. Então, devemos tentar encontrar em cada fenômeno religioso a sua contribuição para a sociedade de hoje.
Disse Jesus: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (cf. Ev. São João, capítulo 4, versículo 24). Deus procura adoradores e não apenas religiosos.

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